Diversas agendas que se aproximavam lentamente do agronegócio brasileiro serão quase obrigatórias neste mundo pós-pandemia: certificação, rastreabilidade, venda de alimentos por e-commerce, bioeconomia, sanidade e sustentabilidade. De certa forma, em alguns setores as agendas citadas eram mais presentes, em outros incipientes.
Segundo a ONU, até 2050 a população mundial se aproximará de 10 bilhões de pessoas. E isso ampliará a pressão sobre a agricultura e os recursos naturais.
A transformação do atual modelo econômico de desenvolvimento – baseado tanto na utilização de fontes fósseis (petróleo, gás e carvão), quanto na degradação do meio ambiente é um dos principais desafios globais.
A bioeconomia dá uma saída para este desafio e cria um novo paradigma de desenvolvimento. Seu conceito é amplo: uma atividade econômica que reúne setores que produzem e utilizam recursos biológicos.
A necessidade dessa agenda se dá sobre dois pilares: pressão da sociedade, em especial dos consumidores mais atentos e que transformam tendência em realidade, além do próprio esgotamento dos recursos não-renováveis.
O setor tem potencial de atrair US$ 400 milhões para o Brasil em investimentos nos próximos 20 anos e gerar mais de 200 mil empregos, de acordo com a Associação Brasileira de Bioinovação.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), a bioeconomia movimenta no mercado mundial cerca de 2 trilhões de euros e gera cerca de 22 milhões de empregos.
O segmento de floresta plantada no Brasil está totalmente conectado com a bioeconomia e irá assumir o protagonismo no Brasil.
“O setor tem a sua matéria prima (madeira) utilizada na produção de produtos que são renováveis, recicláveis e muitas vezes biodegradáveis”, registra Patricia Machado, coordenadora de bioeconomia do IBA – Indústria Brasileira da Árvore.
E existe uma infinidade de pesquisas e produtos em desenvolvimento: resinas, óleos, bio-óleos, nanofibra, nanocelulose e nanocristais que podem ser utilizados na indústria de alimentos, automobilística, cosméticos, medicamentos e produtos têxteis.
Os nanocristais, por exemplo, têm potencial de aplicação em sensores da indústria de petróleo e gás, cosméticos, tintas, na indústria de eletrônicos.
A Suzano, referência no setor de floresta plantada, projeta o futuro de olho em cinco plataformas principais, além dos produtos do portfólio atual (papel e celulose), segundo Fernando Bertolucci, diretor de inovação da empresa: bio-óleo, lignina (resinas), nanoceluloses, biocompositos (substituto para os plásticos atuais) e celulose solúvel.
Olhando para a indústria têxtil hoje, alguns números surpreendem: 500 bilhões de dólares/ano em valor perdido devido a subutilização de roupas e falta de reciclagem e responsabilidade por 8 a 10% das emissões de gases de efeito estufa.
Mas, em 2023, segundo a United Nations Alliance for Sustainable Fashion, 7,5% da produção de têxteis virão de fibras de madeira.
A startup finlandesa Spinnova, que tem a Suzano como sócia, detém a tecnologia para transformar a nanocelulose em fios têxteis, processo que economiza 90% da água e 90% dos químicos utilizados hoje na indústria têxtil tradicional. “É uma revolução”, comemora Bertolucci.
Em dois anos, a primeira planta industrial pré-comercial da Spinnova deve entrar em operação – e, em cinco anos, o produto deverá ser completamente comercial.
O fortalecimento da bioeconomia deve ser comemorado, mas não podemos nos esquecer da vida que leva o setor de etanol, primeira experiência brasileira em bioeconomia, que desde o início, na década de 1970, parece ser o setor do futuro.
No entanto, ele caminha aos trancos e barrancos, nunca se firmando totalmente no Brasil, mesmo com o gigantesco potencial. Mas alguns fatores explicam as crises sucessivas do setor sucroalcooleiro (etanol, açúcar e energia).
A relação direta entre o preço do etanol e o preço do petróleo é um enorme desafio. Ao final do dia, o cliente vai escolher o produto mais barato na bomba. Toda vez que o petróleo caiu muito ao longo destes 40/45 anos, o álcool ficou com margens negativas.
Quando o governo federal resolve fazer política e segura o preço artificialmente da gasolina, gera quebradeira no setor. E isso aconteceu nos últimos 10 anos: foram mais de 80 usinas fechadas e 70 pediram recuperação judicial.
Na última década, também tivemos outro problema: um excesso de oferta de açúcar no mercado internacional.
O RenovaBio (política que cria créditos de descarbonização), aprovado pelo Congresso Nacional, pode ser a salvação do setor. Os primeiros passos já foram dados no mercado.
O portfólio de produtos da bioeconomia cresceu muito. Muito além do etanol e do açúcar. Há mais de 3 mil produtos desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Por tudo isso, o setor ganha espaço no agronegócio brasileiro. E tem tudo pra se firmar em definitivo ao lado da soja e da proteína animal, nossos campeões nacionais.
Autor: Octaciano Neto – Ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo e presidente do Conselho dos Secretários de Agricultura do Brasil. É um dos líderes do RenovaBr, produtor rural e apresentador do podcast 4.0 no Campo
Fonte: InfoMoney